Hermes e seus amigos convidam a sociedade a olhar para as crianças e a transformar as cidades em espaços educativos
Em dezembro tive o enorme privilégio de ser convidado pelo amigo e grande educador, Paulo Santiago e seus amigos, a visitar e conhecer um sério projeto de educação, com pessoas maravilhosas, a Escola Debaixo da Ponte, na zona leste de São Paulo. Um projeto que se atreve a transformar a cidade e oferecer dignidade às pessoas.
Após pegar a linha vermelha do metrô até a estação do terminal Itaquera, deveria subir no ônibus União de Vila Nova, até o ponto final, para chegar ao local indicado pelo amigo Paulo, mas ainda na estação Itaquera combinei de encontrar outro amigo e grande educador, Samuel Chaves, professor da rede municipal e coordenador da Cooperativa de Educadores da Cohab II, que me ofereceu uma carona para o evento, assim juntos seguimos.
Ao chegar, acompanhamos um lindo coral de crianças, apresentando-se às suas famílias, já visivelmente emocionadas. Pouco tempo depois começamos uma roda de conversa que sensibilizou a todos os presentes. A roda aconteceu exatamente debaixo da ponte, na atual sede do projeto, na qual há poucos anos atrás havia um lixão abandonado, agora transformado em uma boa e colorida quadra de esportes, com tratamento dos resíduos, coleta seletiva, reciclagem, um espaço de luz e de saúde, com jardim, áreas para projeção de filmes e oficinas para as crianças e adolescentes da comunidade. Foram convidados também para esta conversa lideranças das mais diversas religiões, como uma forma ecumênica de abençoar e reconhecer a transformação de um espaço abandonado de acúmulo do lixo social, em um local realmente sagrado, no qual as famílias da União de Vila Nova passaram a poder contar com ótimas oportunidades para os seus filhos no contraturno escolar, com educadores e atividades diversas, podendo assim trabalhar mais tranquilos e seguros, com novas perspectivas para os seus filhos, enquanto não regressam.
A partir da mobilização da comunidade União de Vila Nova e de lideranças importantes que tive a satisfação de conhecer, como os educadores Antonio Hermes de Sousa e seu amigo Passarinho, um terreno de despejo foi transformado em uma escola verdadeiramente aberta, na extrema zona leste da cidade de São Paulo, antes um dos bairros mais violentos da capital, com altos índices de violência e homicídio. A transformação realizada foi possível também pelo apoio e parceria do Instituto Nova União da Arte (NUA) e Associação Novolhar, com o objetivo de promover o desenvolvimento social e econômico da comunidade.
A roda de conversa foi conduzida de forma muito autêntica por Hermes, que muito emocionado falava e convidava os outros a falar. Lideranças evangélicas, católicas, judaicas, da Umbanda, do Candomblé, Batistas e Indígenas, estavam presentes e fizeram falas muito profundas, que convergiam no objetivo de promover união, fraternidade, solidariedade e empatia, acima das diferenças de credos e crenças, reconhecendo-nos antes de mais nada, como humanos, dispostos a lutar pelo conserto do mundo.
Assim como toda a iniciativa, a roda de conversa foi em si um processo de humanização daquele espaço, assim nos sentimos e assim foi verbalizado por muitos durante a conversa.
Para poder agredir uma outra pessoa, promover violências, precisamos passar por um processo de desumanização, que nos torna capazes de deixar de enxergar o outro como humano, exatamente o oposto daquilo que vem ali sendo realizado, um profundo processo de encontro, convivência, diálogo, aprendizagens diversas, capazes de transformar um espaço degradado em um projeto de educação humanizadora, tão raro nos tempos de hoje, mas tão necessário.
O ano de 2022 será um bastante importante para o Brasil, por se tratar de um ano eleitoral, iremos votar no novo presidente, novos governadores e deputados. Os cortes e ataques do atual governo bolsonarista no social, na educação, na ciência, nas artes, na cultura, fazem com que seja necessário a mobilização da própria sociedade civil para que boas iniciativas possam brotar em contextos desafiadores. As atuais demandas do mercado sequestrando as demandas pedagógicas e colocando as suas diretrizes em muitos espaços fantasiados de escolas, reféns da lógica liberal capitalista, que promete justiça no futuro enquanto promove desigualdade e violências no presente, vem agravando as desigualdades não apenas no Brasil, a falta de políticas públicas adequadas às necessidades da população ainda permite, por exemplo, que pessoas tenham 3 ou 4 casas, enquanto algumas não possuem nenhuma, mas o presidente sente-se autorizado a gastar 5 milhões de reais em motociatas.
Não faltam boas lideranças no Brasil, temos pessoas brilhantes em todas as áreas, temos inclusive muitas pessoas competentes, comprometidas, trabalhadoras e responsáveis precisando de oportunidades para construir trajetórias de vidas menos sofridas e mais saudáveis e alegres, pessoas aptas a contribuir muito para a construção de um outro Brasil. Precisamos destacar, dar espaço e apoiar estas pessoas, compartilhar as suas realizações nas redes, pensar e agir por aquilo que somos capazes de construir de bom coletivamente, votar movidos por um projeto de Brasil e não pelo ódio a um partido, a uma pessoa ou ideia.
A partir deste link, disponível no Youtube é possível conhecer um pouco mais da trajetória de Hermes e da Escola Debaixo da Ponte.
Naquele mesmo dia saí de lá, atravessei a cidade da extrema zona leste até a zona sul, para, após cinco anos, voltar a visitar outro projeto maravilhoso, o Lar das Crianças, através da educação, já com quase um século de existência, atendem um número grande de famílias há gerações. Fui convidado pelas coordenadoras Clara Grillo e Aide Firer a assistir as apresentações dos projetos dos próprios jovens, que encontram neste lar espaço para sonhar, ali além de diversas oficinas, estudos e aprendizagens diversas, os seus projetos pessoais são acolhidos e acompanhados por educadores muito sensíveis e comprometidos, os quais tive a oportunidade de conhecer brevemente, enquanto os escutava orientar os jovens com muita seriedade, respeito, responsabilidade e amor.
Foi um dia bastante impactante no qual pude visitar e conhecer um pouco de dois projetos muito sérios e muito bonitos, um nascendo de maneira muito iluminada e se fortalecendo, outro já muito consolidado e estruturado, ambos fruto da dedicação e do amor de educadores verdadeiramente comprometidos com uma educação emancipadora.
Por Denis Plapler